Spitifires Merlin - um breve histórico com foco no Spitfire VIII
Enviado: 28 Fev 2015, 01:56
Estou começando a redigir um review para o novo Spit VIII da Eduard e o texto de introdução foi ficando longo... assim, aproveitei o que já tinha escrito e compartilho o texto na íntegra, meio rascunhão ainda, com vocês.
Críticas, debates são muito bem vindos!
Os Spitfires Merlin e o Mk.VIII
A história é um pouco longa, mas vale a pena ser contada pois situa bem os porquês e os comos no desenvolvimento do Spitfire VIII. Tipo, “Ele não era mais moderno que o Mk.IX? Então por que o número do modelo é mais baixo?”, ou “por que ele não foi tanto empregado nos principais fronts da RAF na Europa se era mais moderno que o Mk.IX”?
Um aspecto importante para definir um grande design é a sua capacidade de evolução. O Spitfire de Reginald Mitchell, concebido em 1935, era uma síntese de boa parte da tecnologia mais moderna na indústria aeronáutica mundial. Só que isso, o tempo viria provar, não seria suficiente para fazê-lo um equipamento decisivo no grande conflito que seria deflagrado poucos anos depois.
Nos poucos e loucos anos da II Guerra Mundial, a evolução dos equipamentos – notadamente das aeronaves – foi frenético: a transição dos (já obsoletos) biplanos revestidos de lona para os jatos deu-se em pouco menos de seis anos. Some-se a isso as condições extremamente restritivas de economias em guerra, com escassez de todos os insumos inclusive força de trabalho e a premência da produção em massa em condições literalmente de vida ou morte e teremos um cenário de pesadelo para qualquer engenheiro.
Com a morte de Mitchell, precocemente vitimado por um câncer pouco depois do voo do primeiro protótipo, o desenvolvimento de Spitfire ficou a cargo da equipe liderada por John Smith, um dos mais brilhantes e menos conhecidos engenheiros da história da aviação. A ele coube tornar o fantástico projeto base em uma arma capaz de fazer frente à poderosa Luftwaffe e quem mais se colocasse contra a RAF, adaptando-o às exigências e restrições dos tempos de guerra.
Talvez a mais notória linha condutora do desenvolvimento do Spitfire foi a evolução da sua motorização.
Ao Merlin II/III do Spitfire Mk.I (o Merlin III simplesmente podia receber hélices De Havilland ou Rotol por meio de um eixo "universal") sucedeu o mais elástico e potente na decolagem Merlin XII no Spitfire Mk.II.
O Spitfire Mk.III seria equipado com o Merlin XX, que contava com um supercompressor de estágio simples e duas velocidades. A disponibilidade limitada deste motor acabou ditando que ele seria disponibilizado para o Hurricane Mk.II, os bombardeiros Lancaster e Halifax, além do Defiant Mk.II e do Beaufighter Mk.II. Todos esses aviões necessitavam mais do Merlin XX para continuarem competitivos nos céus.
Para o Spitfire seria disponibilizada uma versão do Merlin XX com supercompressor de estágio simples e uma velocidade, chamado Merlin 45. Este Spitfire, uma versão temporária que aguardaria a entrada do futuro Mk.VI, foi chamada de Mk.V. Várias células de Mk.I e Mk.II ainda em bom estado receberam a nova motorização e foram assim “convertidos” para o padrão Mk. V.
O modelo Mk. IV (depois chamado de Mk.XX) foi a base para a introdução do novo e mais poderoso motor Rolls Royce Griffon, que viria a equipar as últimas séries do Spitfire. Mas essa já é outra história.
Entrementes, a preocupação com uma possível ofensiva alemã com bombardeiros a grande altitude levou ao desenvolvimento de uma versão especializada para operar nessa faixa. Essa versão foi chamada Mk.VI, era equipada com um motor Merlin 47, que tinha acoplado um compressor para pressurizar o cockpit e asas com pontas alongadas para melhorar o desempenho no ar rarefeito.
A corrida pelo desempenho levou a Rolls Royce a desenvolver uma nova família de motores Merlin, a série 60, equipada com um poderoso compressor de dois estágios e duas velocidades. A grande vantagem desse supercompressor era a versatilidade, podendo oferecer desempenho modulado em uma grande faixa de altitudes com maior eficiência. A essa altura, o motor Merlin era algo mais potente e mais pesado que os Merlins II e os esforços aplicados à estrutura do Spitfire estavam se aproximando do limite do razoável. O posicionamento do CG e a necessidade de aumentar o armamento e munição, bem como o raio de ação também foram fatores considerados. A solução encontrada envolveu uma extensiva reengenharia da estrutura interna das fuselagens e das asas, bem mais reforçadas, que permitiriam estender consideravelmente a vida útil do projeto do Spitfire, capacitando-o a receber motorizações acada vez maiores e a ser submetido a esforços cada vez maiores. Outros itens foram incorporados, como por exemplo tanques de combustível nos bordos de ataque internos das asas e a bequilha retrátil que seria lançada no Mk.III.
Duas variantes do "Super-Spitfire" foram concebidas: o Mk. VII, equipado com Merlins 64 especiais para grandes altitudes e o Mk. VIII, que receberia os Merlins 61. A ideia era que os Mk.VII seriam o tipo principal de produção (dentro do cenário esperado de batalhas predominantemente travadas em grandes altitudes) e os Mk.VIII seriam um tipo complementar que substituiria os Mk.V “clipped, cropped, clapped” equipados com os motores Merlin 45M nas missões em baixa altitude. Esses aviões seriam produzidos a partir de 1943, pois exigiam um extenso programa de adequação nas linhas de produção, com troca de ferramentaria e gabaritos nas fábricas.
O inesperado veio com o surgimento do FW 190 nos céus no segundo semestre de 1941, quando o tipo básico de Spitfire ainda era O Mk.V, que se demonstrou notoriamente inferior aos novos caças alemães. Nesse momento, o Mk.VII/VIII ainda estava em fase de detalhamento dos desenhos e não havia tempo a perder. O “jeitinho” encontrado por John Smith foi adaptar os novos motores da série 60 às fuselagens dos Mk.V ainda em produção, sem a necessidade de interrupções sensíveis no ritmo das entregas. Um nariz reforçado e mais alongado receberia os novos motores. Uma outra vantagem era que o arranjo permitiria que várias células de Mk.V (algumas inclusive oriundas de Mk.I/II já reformadas anteriormente) fossem também convertidas, acelerando a entrada em serviço dos chamados Mk. IX. durante o segundo semestre de 1942 os primeiros Mk.IX começaram a ser entregues, aliviando bastante a pressão alemã sobre o Canal.
A produção dos Mk. IX foi priorizada e direcionada para grande fábrica de Castle Bromwich, enquanto que o desenvolvimento e produção dos novos Mk.VII/VIII foi realizado com prioridade mais baixa na própria fábrica da Supermarine, pois a principal demanda (de caças capazes de fazer frente imediata aos FW 190) estava razoavelmente bem coberta pelos Mk.IX.
Somente no final de 1942 os primeiros Mk.VIII começaram a ser entregues. Nesse ponto, entrou em jogou um fator importante na aviação de combate que é a padronização dos equipamentos. O uso dos Mk.IX já estava disseminada entre as unidades da RAF, e a manutenção e a cadeia de suprimento de peças de reposição toda girava em torno das células já operacionais, entre elas inclusive um contingente ainda importante de Mk.V. A RAF decidiu então que os Mk.VIII, embora mais modernos, seriam usados primordialmente nas unidades de além-mar, fora do teatro europeu ocidental. Uma vantagem importante dos Mk.VIII nesse sentido era o seu raio de ação aumentado pelos tanques de combustível alares.
A não concretização dos ataques alemães a grandes altitudes (sim, a Inteligência também falha!) acabou determinando que poucos Mk. VII fossem produzidos e encaminhados apenas a unidades selecionadas.
Já os Mk. VIII combateram com destaque no norte da África, Itália, Sul da França, Oriente Médio, Índia, Birmânia e no extremo oriente.
Vale mencionar que vários dos avanços que foram concebidos para os Mk.VIII, como o filtro Vokes universal, o leme “pontudo”, a asa “E”, a capota em bolha, acabaram sendo incorporados aos poucos nas linhas de produção do “temporário” Mk.IX, o que contribuiu para a enorme diversidade de feições que esse tipo apresentou em operação. Cabe ressaltar aqui que uma versão do Mk.IX incorporando quase todos os avanços disponíveis a um motor Merlin 66 produzido pela Packard nos EUA recebeu o nome de Spitfire Mk.XVI. Produzido a partir de outubro de 1944, o Mk.XVI teve papel importante no front europeu nos últimos meses da Guerra, combatendo ao lado dos Mk.IX e dos Mk.XIV equipados com motores Griffon. Vários continuaram operacionais nos primeiros anos do pós-guerra.
Por fim, três versões de Spitfires, todas de reconhecimento, ainda usaram os RR Merlin. O Mk.XI era um equivalente do Mk.VIII, e foi o principal tipo de Spitfire de reconhecimento até a chegada dos Mk.XIX com motores Griffon em 44. O Mk.X era a variante de grande altitude com cabine pressurizada, análoga ao Mk.VII. poucos foram produzidos. E o Mk.XIII foi uma versão especializada para reconhecimento em baixa altitude equipada com os Merlin 32 para substituir os já cansados PR Mk.IG.
Espero que tenham gostado...
Críticas, debates são muito bem vindos!
Os Spitfires Merlin e o Mk.VIII
A história é um pouco longa, mas vale a pena ser contada pois situa bem os porquês e os comos no desenvolvimento do Spitfire VIII. Tipo, “Ele não era mais moderno que o Mk.IX? Então por que o número do modelo é mais baixo?”, ou “por que ele não foi tanto empregado nos principais fronts da RAF na Europa se era mais moderno que o Mk.IX”?
Um aspecto importante para definir um grande design é a sua capacidade de evolução. O Spitfire de Reginald Mitchell, concebido em 1935, era uma síntese de boa parte da tecnologia mais moderna na indústria aeronáutica mundial. Só que isso, o tempo viria provar, não seria suficiente para fazê-lo um equipamento decisivo no grande conflito que seria deflagrado poucos anos depois.
Nos poucos e loucos anos da II Guerra Mundial, a evolução dos equipamentos – notadamente das aeronaves – foi frenético: a transição dos (já obsoletos) biplanos revestidos de lona para os jatos deu-se em pouco menos de seis anos. Some-se a isso as condições extremamente restritivas de economias em guerra, com escassez de todos os insumos inclusive força de trabalho e a premência da produção em massa em condições literalmente de vida ou morte e teremos um cenário de pesadelo para qualquer engenheiro.
Com a morte de Mitchell, precocemente vitimado por um câncer pouco depois do voo do primeiro protótipo, o desenvolvimento de Spitfire ficou a cargo da equipe liderada por John Smith, um dos mais brilhantes e menos conhecidos engenheiros da história da aviação. A ele coube tornar o fantástico projeto base em uma arma capaz de fazer frente à poderosa Luftwaffe e quem mais se colocasse contra a RAF, adaptando-o às exigências e restrições dos tempos de guerra.
Talvez a mais notória linha condutora do desenvolvimento do Spitfire foi a evolução da sua motorização.
Ao Merlin II/III do Spitfire Mk.I (o Merlin III simplesmente podia receber hélices De Havilland ou Rotol por meio de um eixo "universal") sucedeu o mais elástico e potente na decolagem Merlin XII no Spitfire Mk.II.
O Spitfire Mk.III seria equipado com o Merlin XX, que contava com um supercompressor de estágio simples e duas velocidades. A disponibilidade limitada deste motor acabou ditando que ele seria disponibilizado para o Hurricane Mk.II, os bombardeiros Lancaster e Halifax, além do Defiant Mk.II e do Beaufighter Mk.II. Todos esses aviões necessitavam mais do Merlin XX para continuarem competitivos nos céus.
Para o Spitfire seria disponibilizada uma versão do Merlin XX com supercompressor de estágio simples e uma velocidade, chamado Merlin 45. Este Spitfire, uma versão temporária que aguardaria a entrada do futuro Mk.VI, foi chamada de Mk.V. Várias células de Mk.I e Mk.II ainda em bom estado receberam a nova motorização e foram assim “convertidos” para o padrão Mk. V.
O modelo Mk. IV (depois chamado de Mk.XX) foi a base para a introdução do novo e mais poderoso motor Rolls Royce Griffon, que viria a equipar as últimas séries do Spitfire. Mas essa já é outra história.
Entrementes, a preocupação com uma possível ofensiva alemã com bombardeiros a grande altitude levou ao desenvolvimento de uma versão especializada para operar nessa faixa. Essa versão foi chamada Mk.VI, era equipada com um motor Merlin 47, que tinha acoplado um compressor para pressurizar o cockpit e asas com pontas alongadas para melhorar o desempenho no ar rarefeito.
A corrida pelo desempenho levou a Rolls Royce a desenvolver uma nova família de motores Merlin, a série 60, equipada com um poderoso compressor de dois estágios e duas velocidades. A grande vantagem desse supercompressor era a versatilidade, podendo oferecer desempenho modulado em uma grande faixa de altitudes com maior eficiência. A essa altura, o motor Merlin era algo mais potente e mais pesado que os Merlins II e os esforços aplicados à estrutura do Spitfire estavam se aproximando do limite do razoável. O posicionamento do CG e a necessidade de aumentar o armamento e munição, bem como o raio de ação também foram fatores considerados. A solução encontrada envolveu uma extensiva reengenharia da estrutura interna das fuselagens e das asas, bem mais reforçadas, que permitiriam estender consideravelmente a vida útil do projeto do Spitfire, capacitando-o a receber motorizações acada vez maiores e a ser submetido a esforços cada vez maiores. Outros itens foram incorporados, como por exemplo tanques de combustível nos bordos de ataque internos das asas e a bequilha retrátil que seria lançada no Mk.III.
Duas variantes do "Super-Spitfire" foram concebidas: o Mk. VII, equipado com Merlins 64 especiais para grandes altitudes e o Mk. VIII, que receberia os Merlins 61. A ideia era que os Mk.VII seriam o tipo principal de produção (dentro do cenário esperado de batalhas predominantemente travadas em grandes altitudes) e os Mk.VIII seriam um tipo complementar que substituiria os Mk.V “clipped, cropped, clapped” equipados com os motores Merlin 45M nas missões em baixa altitude. Esses aviões seriam produzidos a partir de 1943, pois exigiam um extenso programa de adequação nas linhas de produção, com troca de ferramentaria e gabaritos nas fábricas.
O inesperado veio com o surgimento do FW 190 nos céus no segundo semestre de 1941, quando o tipo básico de Spitfire ainda era O Mk.V, que se demonstrou notoriamente inferior aos novos caças alemães. Nesse momento, o Mk.VII/VIII ainda estava em fase de detalhamento dos desenhos e não havia tempo a perder. O “jeitinho” encontrado por John Smith foi adaptar os novos motores da série 60 às fuselagens dos Mk.V ainda em produção, sem a necessidade de interrupções sensíveis no ritmo das entregas. Um nariz reforçado e mais alongado receberia os novos motores. Uma outra vantagem era que o arranjo permitiria que várias células de Mk.V (algumas inclusive oriundas de Mk.I/II já reformadas anteriormente) fossem também convertidas, acelerando a entrada em serviço dos chamados Mk. IX. durante o segundo semestre de 1942 os primeiros Mk.IX começaram a ser entregues, aliviando bastante a pressão alemã sobre o Canal.
A produção dos Mk. IX foi priorizada e direcionada para grande fábrica de Castle Bromwich, enquanto que o desenvolvimento e produção dos novos Mk.VII/VIII foi realizado com prioridade mais baixa na própria fábrica da Supermarine, pois a principal demanda (de caças capazes de fazer frente imediata aos FW 190) estava razoavelmente bem coberta pelos Mk.IX.
Somente no final de 1942 os primeiros Mk.VIII começaram a ser entregues. Nesse ponto, entrou em jogou um fator importante na aviação de combate que é a padronização dos equipamentos. O uso dos Mk.IX já estava disseminada entre as unidades da RAF, e a manutenção e a cadeia de suprimento de peças de reposição toda girava em torno das células já operacionais, entre elas inclusive um contingente ainda importante de Mk.V. A RAF decidiu então que os Mk.VIII, embora mais modernos, seriam usados primordialmente nas unidades de além-mar, fora do teatro europeu ocidental. Uma vantagem importante dos Mk.VIII nesse sentido era o seu raio de ação aumentado pelos tanques de combustível alares.
A não concretização dos ataques alemães a grandes altitudes (sim, a Inteligência também falha!) acabou determinando que poucos Mk. VII fossem produzidos e encaminhados apenas a unidades selecionadas.
Já os Mk. VIII combateram com destaque no norte da África, Itália, Sul da França, Oriente Médio, Índia, Birmânia e no extremo oriente.
Vale mencionar que vários dos avanços que foram concebidos para os Mk.VIII, como o filtro Vokes universal, o leme “pontudo”, a asa “E”, a capota em bolha, acabaram sendo incorporados aos poucos nas linhas de produção do “temporário” Mk.IX, o que contribuiu para a enorme diversidade de feições que esse tipo apresentou em operação. Cabe ressaltar aqui que uma versão do Mk.IX incorporando quase todos os avanços disponíveis a um motor Merlin 66 produzido pela Packard nos EUA recebeu o nome de Spitfire Mk.XVI. Produzido a partir de outubro de 1944, o Mk.XVI teve papel importante no front europeu nos últimos meses da Guerra, combatendo ao lado dos Mk.IX e dos Mk.XIV equipados com motores Griffon. Vários continuaram operacionais nos primeiros anos do pós-guerra.
Por fim, três versões de Spitfires, todas de reconhecimento, ainda usaram os RR Merlin. O Mk.XI era um equivalente do Mk.VIII, e foi o principal tipo de Spitfire de reconhecimento até a chegada dos Mk.XIX com motores Griffon em 44. O Mk.X era a variante de grande altitude com cabine pressurizada, análoga ao Mk.VII. poucos foram produzidos. E o Mk.XIII foi uma versão especializada para reconhecimento em baixa altitude equipada com os Merlin 32 para substituir os já cansados PR Mk.IG.
Espero que tenham gostado...