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Porque os italianos perderam guerra

Enviado: 21 Jun 2012, 14:16
por Augusto
Estamos entrincheirados protegendo a Balbia, logo depois de Zuara. De serviço no posto de observação está Stucchi. De repente, ele avista sobre as dunas caminhonetes em movimento, caminhonetes do tipo inglês. O que fazer? Disparamos ou não disparamos? São ingleses fazendo exploração ou são os nossos fazendo um reconhecimento? De fato, a 136ª de artilharia da divisão Jovens Fascistas possui baterias móveis capturadas dos ingleses.

O capitão Stucchi dera logo o alarme, mas agora, binóculo sobre os olhos, fixa os veículos. Na sua cabeça loira de montanhês, sempre coberta pelo velho chapéu alpino com um feixe de penas, se agita uma grande dúvida: disparar ou não disparar? E os inúmeros “porca miséria” não conseguem desfazer essa dúvida. E para completar, a comunicação com o comando do regimento não funciona.
Então telefona ao Melon, ao comando do grupo, onde por acaso me encontro, para consultá-lo:
- Escute, Melon: aqui há algumas caminhonetes que perambulam diante da linha. Não sei o que fazer, não consigo reconhecê-las. Disparamos?
Perplexidade.
Melon não sabe o que responder. E então:
- Sabe o que faremos? Disparamos uma salva. Se eles se retiram, significa que são ingleses, se retornam para as nossas linhas, significa que são italianos. Que lhe parece?
Eu estou tomando um “quase-café”, mas a estranha proposta me deixa curioso:
- O que está acontecendo, senhor capitão?
Melon me explica. Enquanto escuto, uma idéia me ocorre. Poucas horas antes, passando de carro, eu notara um grupo nossos autoblinda... E me lembro daquela vez, nos tempos da [divisão] Aríete, que um colega mais esperto subiu num tanque para observar de perto a batalha e dirigir o nosso fogo (daquela vez eu o invejei)... Associação de idéias? Eis que surge a venturosa idéia. Digo:
- Senhor capitão, deixe comigo. Não sabemos quem são? Vou perguntar-lhes: Com licença, quem é você? Sabem o que vou fazer? Dou um pulo até os blindados que vi aqui perto, faço com que me dêem um, e vou ver quem são. Magnífico. É simplicíssimo. Ao invés de ficar aqui pensando, dou esse pulo até lá. Se são italianos tudo bem; se forem ingleses, dou umas rajadas e fujo. Se forem muitos, volto para cá e iniciamos os disparos.

Calconi, Calconi, força! Ligue isso aí... O meu ímpeto e a minha segurança não deixaram margem a dúvidas no capitão. E sem qualquer pergunta, parto na motocicleta com Calconi em direção a uma nova aventura de guerra. O vento da corrida me refresca o rosto que o entusiasmo havia acendido. Lembro do colega artilheiro que bradava do alto da torreta daquele tanque... Agora serei eu no velocíssimo autoblinda sendo os olhos da minha unidade. Depois de ter sido tantas vezes os braços. Eis o blindado.

- Oficial?
- O oficial não está, senhor tenente – me responde um sargento.
- De qual unidade é este blindado?
- Do comando do XX corpo.
- Escute, meu rapaz, está acontecendo... (e lhe explico a história). Eu preciso de um autoblinda para ir até lá. Saberia me dizer a quem devo pedi-lo?

O sargento me olha. Tem um olhar estranho. Depois me indica um coronel, de pé, próximo a um veículo:
- Aquele é o chefe de estado maior do corpo do exército.
Apresento-me. Enquanto falo, aproxima-se o general Fulano de Tal, comandante interino do corpo. Reporto como aconteceu o diálogo:
- Excelência, o nosso observador avistou umas caminhonetes armadas. Dado que não conseguiu reconhecê-las, vim ver se posso fazer um reconhecimento com um autoblinda.
- Autoblinda? Nada de autoblinda. Eles servem ao comando. Onde vocês avistaram as caminhonetes? – e me apresenta um mapa topográfico da zona.
- Aqui, Excelência – e lhe indico a área.
- Em que ponto precisamente?
- Excelência, desculpe, caminhonetes são caminhonetes. Movimentam-se para cima e para baixo ao longo da linha, a uma distância de um par de quilômetros da nossa posição.
- Muito bem. Disparem.
- Peço desculpas: e se não italianos?
- Então não disparem.
- Mas na zona há grupos de infantaria. Tememos que possam ser atacados de surpresa.
- Então, disparem.
- E se forem da Jovens Fascistas?
- Então não disparem. Deixem que elas se aproximem e depois, se são inglesas, ataquem com rifles e granadas. (sic, minha palavra de oficial que não estou exagerando).
Eu fico paralisado.
- Excelência, mas nós somo da artilharia. Se as caminhonetes surgirem sobre as nossas peças, peças de grosso calibre, acabam conosco com as metralhadoras. E depois estamos entrincheirados ao longo da estrada e se as caminhonetes chegam entre as nossas peças, chegam por cima da estrada.
A excelência começa a perder a paciência:
- Mas então, o que você quer?
- Pois então: dado que não conseguimos reconhecer as caminhonetes eu pensei em aproveitar um dos autoblindas para ir até lá.
- Nada de autoblinda. Já disse. Mas quem mandou você aqui?
- Oficialmente, ninguém. Mas ao saber do que acontecia, pedi ao capitão Stucchi, que por sua vez comanda o grupo, para pegar um autoblinda e sair em missão exploratória.
- Mas o comando do regimento sabe disso?
- Não, senhor. Está se deslocando e não sabemos onde ele se encontra.
- Mas você, quem é?
- Sou um subalterno da bateria.
- E por que veio você?
- Por que eu era o único que sabia onde estavam os autoblindas.
Agora ele está vermelho de raiva:
- Mas o que significa isso? A que ponto chegamos? Um subalterno qualquer vem, se apresenta a um comando de corpo, pede um autoblinda sem que nenhum dos seus comandantes saiba de nada...
- Peço desculpas, excelência. Eu tive a autorização do meu comandante direto. Não procuramos antes o comando do regimento porque pensávamos que as caminhonetes pudessem atacar e retirar-se sem aviso.
- Mas de jeito nenhum. É preciso seguir a via hierárquica.
- Eu não sabia que este era o comando do corpo do exército. Acreditava apenas que fosse o comando de um esquadrão de blindados.
- Mal, muito mal. Um oficial deve saber de tudo. E onde está o seu quepe?
- Como?
- Onde está o seu quepe?
- Mas eu sei lá! Está na bateria ou no comando do grupo.
- Mas quem lhe disse para abandoná-lo e sair por aí sem ele?
- Realmente, excelência, eu pensei que, dada a urgência...
- Mal! Você está cometendo uma falta. Não se pode esquecer o quepe. E depois, não quero de maneira alguma que um oficial qualquer se apresente diretamente ao corpo do exército. É preciso antes avisar por via hierárquica. De outro modo, onde vai parar a disciplina? Entendeu? Dispensado.
Agora quem está vermelho de raiva sou eu. Palavra que eu teria pego a tapas aquele animal. Mas divisas são divisas. E com o rosto pálido, nervos tensos, dou um passou para trás e bato continência:
- Às ordens.
- Às ordens? Mas onde você leu isso? No regulamento não está escrito nada parecido. Foi, aliás, proibido. Você não leu a circular?
(Porca...) Dou outro passo para trás e bato continência:
- A seu comando!
- Não! Não se diz tampouco “a seu comando”. Entendeu?
Novo passo para trás, nova continência, e... Vai tomar no cu!! Bom, pelo menos foi isso que eu pensei.

Paolo Zingales, do seu livro de memórias, Pista Ariete.

Re: Porque os italianos perderam guerra

Enviado: 22 Jun 2012, 19:28
por Fravin
Sensacional!!!!!

Re: Porque os italianos perderam guerra

Enviado: 22 Jun 2012, 21:06
por Arnaldo
Muito bom. :D :D :D

Re: Porque os italianos perderam guerra

Enviado: 23 Jun 2012, 09:51
por Paulo do Rio
Porca miseria!!!!!!!!! Era assim!

Re: Porque os italianos perderam guerra

Enviado: 23 Jun 2012, 18:13
por Evandro Moreira
:lol: :lol: :lol: :lol: :lol: :lol: :lol: :lol: :lol: :lol: :lol: :lol: :lol: :lol: :lol: :lol: :lol: :lol: :lol: